A Memória e a Saudade

Foto: Júnior Paiva

Acredito que todos já sentiram aquela saudade que faz o pensamento voar por um bom tempo em direção ao passado. É como se não existisse presente e tudo voltasse no tempo. Um cheiro, uma cor, um barulho, uma entonação de voz. Qualquer coisa traz a tona a lembrança boa de algo vivido no passado. A saudade pode trazer alegria ou choro, pode doer ou encher o coração de esperança. Tudo depende daquilo que a memória diz sobre a possibilidade de ter de volta o momento saudoso.
 

A saudade tem uma relação direta e inseparável com a memória. Apesar de se manifestar em todas as áreas do corpo, é a memória a principal responsável por sua produção. É ela que guarda os momentos bons, ruins, felizes, estressantes, prazerosos e corriqueiros. Guarda até mesmo coisas que não queríamos, como uma briga ou uma discussão qualquer. E quando menos esperamos, quando nem imaginávamos que iríamos lembrar do fato, ele reaparece inesperadamente como um relâmpago numa noite turva.

Quando a memória arquiva algum evento, grava, também, todo conteúdo emocional que tenha relação com ele. Assim, o primeiro beijo de um adolescente é arquivado junto com a sensação que ele sentiu. A memória registra o sabor do beijo, o medo de errar, o suor frio causado pela ansiedade, a euforia da vontade de beijar, o cheiro do perfume usado no momento do beijo. Quanto mais o evento é recheado de emoção, mais a memória será facilmente acessada no futuro. A emoção facilita tanto o armazenamento quanto a recuperação.

Tudo que a memória grava a respeito do momento do beijo, passa a servir como link automático para acesso ao evento. Então, quando, tempos depois, o autor do beijo passa por alguém que está com o mesmo perfume usado naquele dia, o link é ativado e o arquivo da memória acessado trazendo tudo de volta. Isto, associado a toda emoção produzida, que também foi armazenada, gera a saudade e faz a pessoa reviver mentalmente uma velha e agradável experiência feliz.

A saudade é um componente emocional que só pode ocorrer se a memória for ativada. Não existe saudade de algo que nunca se arquivou na memória. Para que ela aconteça é necessário ter existido um objeto saudoso no passado. A saudade, também, só ocorre para momentos bons, pois além de está ligada à memória, é mantida pelo prazer. Dos momentos ruins, ou neutros, existe apenas lembrança. Saudade e lembrança são distintas, pois a primeira só acontece quando a segunda traz sensações agradáveis.

Joacil Luis - Psicólogo - CRP 13/6160